quarta-feira, 6 de julho de 2011

DA RUSSIFICAÇÃO À POBREZA

Tyshdyn, 10.06.2011
Oleksii Sokyrko

Imposição do idioma russo - apenas um aspecto da exportação russa de seu modo de vida.

O termo parece bem familiar. Hoje até os manuais escolares animadamente explicam sua essência: russificação, dizem, é política direcionada para afirmar e fortificar a superioridade da política nacional russa na Ukraina e outros países, com a ajuda da transmissão ou introdução de pessoas de nacionalidade não russa, para a língua e cultura russa e sua posterior assimilação.

O tratamento popular deste fenômeno conduz sua genealogia partir do limite dos séculos XIX - XX quando o braço político do movimento de libertação nacional lutava contra todos os tipos de restrições na área de expressão e de imprensa ucrainiana.

Em seguida, já durante a era soviética, este tratamento transformou-se em flagelação revelada na política cultural e educacional da URSS. No entanto, a russificação desde o seu início não se aplica apenas ao idioma e bordados.

Russificação Econômica: obuses em vez de manteiga

Na maioria das vezes a russificação é compreendida como introdução e cultivo do russo, que deve eliminar e nivelar o que é especificamente seu, autêntico. Na verdade, a opressão e a assimilação foram e são apenas parte das medidas de russificação. Sua outra função é preservação e desenvolvimento daqueles componentes da cultura local ou práticas sociais que, por definição, forem úteis para a metrópole, prometendo reforçar sua autoridade local.

A russificação, tradicionalmente e com justiça, é identificada como propagação, na Ukraina, da influência política russa, quando, após a revolução dos cossacos no século XVII e uma série de guerras com a Polônia e Turquia, cada vez mais do território ucrainiano caía sob o domínio do "czar ortodoxo branco". No entanto, o início da russificação não se relaciona, absolutamente, com a esfera cultural-educacional, mas sócio-econômica. Defendendo com zelo positivo, que isto acontecia graças às conquistas russas da era imperial à vida econômica ukrainiana.

Os contadores de histórias da frente ideológica sempre sublinhavam a acessibilidade da Ukraina aos mercados externos para venda de produtos (principalmente agrícolas), à conversão do território ukrainiano do sul e "Livoberegia" (parte do território à esquerda do rio Dnipró - O.K.) no celeiro da Europa. A amarga verdade consiste em que, todas essas modificações, antes de tudo, contribuíam para a preservaçãoo dos direitos econômicos alheios a Ukraina, fato percebido no século XVIII. Não é nenhum segredo que o "acesso" para os mercados ocidentais dos comerciantes ukrainianos não ocorria pelos caminhos da rentabilidade, como acontecia na Idade Média, mas por intermédio da Rússia e através dos centros de trânsito da metrópole.

A ideologia do comércio exterior da Rússia não tinha nada em comum com a filosofia da livre troca, característica do mundo ocidental, e era centrada exclusivamente nas necessidades do estabelecimento do poder econômico, e domínio político. Pela introdução gradual das restrições à exportação estratégica de mercadorias importantes e direcionamento de fluxos do comércio em seus postos de trânsito, Rússia rapidamente estabeleceu, completamente novas para os ukrainianos regras do jogo, onde o comércio podia ser bem sucedido apenas para os "seus". No futuro próximo mantiveram-se nele, principalmente aqueles que conseguiram apoio e proteção de nobres influentes ou os favoritos do czar.

Outro fruto amargo foi a entrada dos produtores ukrainianos no mercado comum russo, elogiado por muitos historiadores da época imperial e da União Soviética. A agricultura na Ukraina tinha seu caráter orientado para exportação. Os pseudopatriotas se alegravam muito com o status da Ukraina como alimentadora da Europa enquanto silenciavam que, além fronteira prevalecia a venda de cereais forrageiros, os quais eram re-exportados para as colônias, e não para os consumidores europeus.

O desenvolvimento dinâmico na fabricação do açúcar na Pravoberezhna Ukraina (terras à direita do rio Dnipró - O.K.) tornou-se guloseima que acariciou a vaidade citadina, também tornou-se uma espécie de "milagre econômico", apenas com a ressalva, que as condições de trabalho nos engenhos de açúcar eram extremamente difíceis. E, a rede de empresas não resolvia o problema do desemprego e baixos padrões de vida. Embora a Ukraina era considerada quase uma capital européia da fabricação de açúcar, a média de consumo de açúcar de seus habitantes de posses intermediárias, por ano, era menor que de seus vizinhos europeus.

O crescimento industrial da segunda metade do século XIX foi, comprovadamente, projeto "russo", porque o governo controlava todo investimento, aspirando utilizá-lo não para benefício da prosperidade do país, mas para o desenvolvimento de estrategicamente importantes setores, orientados para as necessidades do Exército e da Marinha. O princípio de Bismarck "projéteis ao invés de manteiga", atraía investidores estrangeiros devido a garantia de venda de seus produtos (armas, navios, aço, trilhos, vagões, carros, equipamentos industriais) consumidos pelo governo. A revolução industrial do Império e, posteriormente, a industrialização soviética professavam praticamente as mesmas prioridades econômicas: predomínio da extração de matérias-primas e indústria pesada sobre a indústria leve e alimentícia. Na véspera da Primeira Guerra Mundial as exportações ukrainianas de produtos acabados representavam menos de 20%, o restante eram matérias primas e produtos semi-acabados.

A não otimização do desenvolvimento da indústria e da agricultura, projetada e estimulada aos interesses da comunidade minoritária, impedia o desenvolvimento do consumo interno. O atraso do modelo imperial da economia realmente conservou as antigas formas de alimentação e costumes culturais ukrainianos. O consumo excessivo de pão e cerais, que compensavam a falta de proteínas e gorduras na dieta, o consumo elevado de álcool, que era, implicitamente, incentivado pelo monopólio estatal - todos esses rudimentos do cotidiano arcaico sobreviveram com sucesso a civilização imperial, tornando-se um dos códigos básicos da civilização soviética.

O retrocesso na área de comunicações, sobre a qual o Google escreveu, considerando-a como uma doença crônica da Rússia, tornou-se um fato estabelecido para Ukraina. A irracional e frágil construção de estradas e ferrovias, o atraso nas tecnologias, o desvio e roubo de fundos tornaram-se para sempre a marca russa nesta esfera. Os projetos referentes ao transporte freqüentemente transformavam-se em propaganda, que encobriam a verdadeira insegurança: cenas de construção da estrada de ferro Trans-Siberiana, onde o futuro czar Nicolau II, segurando um carrinho de mão, entraram em todos os manuais escolares de história, e depois de algum tempo reencarnaram-se na propaganda de outro projeto de Potemkin, agora já soviético BAM (estrada de ferro na Rússia asiática, de Baikal a Amur - O.K.) Com notas comuns a eles ressoam os atuais projetos de infra-estrutura referentes a Euro - 2012 da pós-soviética Ukraina.

Russificação social: filas em vez de barricadas

A mais brilhante manifestação de "russificação" social - participação das elites ukrainianas no desenvolvimento do império russo e soviético - freqüentemente utiliza-se como argumento a favor da proximidade destas formações e sua ideologia à mentalidade ukrainiana. À causa de exatidão distinguiremos: "khokhly" (termo pejorativo usado pelos russos em relação aos ukrainianos - O.K.) - construtores do império - não é apenas Rosumovski, Bezborodkos, Troshchynski e Kochubeí (membros da elite ukrainiana - O.K.), mas centenas de milhares de camponeses e cossacos ukrainianos, com os quais Petersburgo "em prol da russificação" povoava Kuban, Criméia, Leste siberiano e Cazaquistão.

O fato marcante da política social da metrópole era: todas as medidas regulatórias relativas à sociedade ukrainiana eram direcionadas somente para duas camadas sociais: nobreza e camponeses. Os primeiros obtinham perspectivas de carreira e perspectivas militares no exército imperial, perdendo em troca a sua [condição] social - política de auto-suficiência e, em seguida a própria identidade. Os camponeses, ora com chicote, ora com bolo de mel, eram atraídos para uma mítica "terra e liberdade" camponesa. No entanto, a política dos governos imperial e soviética sucessivamente ignorava e marginalizava a terceira camada - a classe média.

Os direitos de propriedade na legislação dos impérios, para grupos não privilegiados, sempre pareceram ilusórios e as liberdades políticas estavam completamente ausentes. Em geral, tal situação não dava oportunidade para desenvolvimento da burguesia, como portadora de outros princípios estabelecidos na independência, responsabilidade e iniciativa.

Em compensação a "russificação social" sempre se preocupava com a preservação da estrutura hierárquica da sociedade. O topo, tradicionalmente ocupavam os "escolhidos" e protegidos pelo regime político, funcionários e oficiais, aos quais poderiam se juntar outras categorias de "servidores do povo". Em condições de ineficiência crônica do aparato administrativo e econômico, estas categorias tinham, além da influência no governo, acréscimos e vantagens preferenciais - desde acesso a bens da civilização ocidental, efetivo tratamento de saúde e quotas de alimentos em distribuidores especiais. O restante da sociedade era tratada como massa amorfa, despersonalizada, sem independência, sem possibilidade de demonstrar seus dotes, sua vocação, sem sua própria individualidade. Devendo ser seu principal valor a submissão total e fé no Estado forte (czar, chefe). As aspirações sociais não eram dirigidas na sua auto-realização e aperfeiçoamento próprios, mas na procura de caminhos ao número de "eleitos" e, então apossar-se dos benefícios a eles destinados.

A liberdade pessoal em estruturas coletivistas de comunidades rurais ou brigadas Stakhanov (O movimento Stakhanov, iniciado em 1935 e direcionado aos trabalhadores para que alcançassem sempre maiores recordes de produção. Os que se distinguiam eram apontados como exemplo a seguir. O. Stakhanov, operário de minas de carvão, foi o primeiro a alcançar alta produção. Daí o nome. - O.K.). As brigadas Stakhanov sempre foram anomalia e desafio aos valores tradicionais.

Os pontos de referência e orientação paternalista sempre tiveram como conseqüência a passividade e boa direção - o mais valioso resultado comum de projetos de russificação. Exatamente eles davam a possibilidade à metrópole moldar novas comunidades não somente na igualdade de identificação, mas também na massa física dos homens - precisamente assim tornou-se possível o fenômeno da "nação soviética", população que se manteve até agora, praticamente em todas as repúblicas da antiga União Soviética.

No entanto, o sucesso social da russificação foi e permanece um dos mais duvidosos e limitados. As razões para isso são muitas – desde a memória social ukrainiana surpreendentemente duradoura (como a dos camponeses, os quais, como argumentam os psicólogos sociais, com intuitiva e subconsciente desconfiança ao governo causada por experiências traumáticas do Holodomor [morte pela fome] e coletivização de suas propriedades, vive e trabalha durante, no mínimo 4 - 5 gerações) para elementar falta de jeito e superficialidade de realizar iniciativas concretas.

Investindo tempo e muito dinheiro no nivelamento das diferenças sociais e étnicas entre as "fraternas” repúblicas soviéticas, a falecida URSS, finalmente colidiu, no final de sua existência com a explosão dos oprimidos àquele “nacionalismo”, e ressurgimento das tradições sociais, as quais ela tentou, sem sucesso, erradicar.

A falha sistêmica da russificação foi a sua não construção. Examinando as conseqüências da russificação na Criméia, que aos olhos da sociedade russa era análoga à civilização de selvagens, o publicista russo Yevgeny Markov com desolada sinceridade declarou: "A questão do benefício da população deve ser resolvido com uma lógica completamente imparcial e sincera... Olhemos o assunto diretamente nos olhos e coloquemos a mão no coração, falemos honestamente, se nós verdadeiramente demos vida melhor ao tártaro da Criméia?"

Russificação cultural: "pobres, porque parvos, parvos porque pobres"

O plano da russificação cultural parece ser o mais visível. No entanto, ele é muito mais amplo e ameaçador que a circular de Valuev que proibia a impressão de livros em língua ucrainiana em 1863 (Rússia czarista) ou o passo acelerado da música pop russa na televisão ukrainiana.

O resultado global da russificação ukrainiana - é inoculação de valores e motivações do novo sistema, especificamente na vida cotidiana. São os hábitos e opiniões sociais que nos falam pela boca das personagens [irônicas] de Skovoroda[1] (1722-1794) e Nechui-Levitskyi[2] (1838-1918): "o chefe sempre tem razão", "não se mostre", "mas, eu preciso disso?" E assim por diante.

A indiferença social e letargia espiritual, na verdade são mais terríveis que os gostos primitivos que acalentam o culto massivo do "Ruskyi mir" (Mundo russo). Neste sentido os efeitos da russificação estão presentes, mesmo nos locais onde ecoa a língua ukrainiana, mas em hospitais e tribunais tratam as pessoas de acordo com seu nível social e espessura de sua carteira.

Outro trauma civilizacional, por assim dizer, causado pela russificação - surgimento em nosso léxico cultural dos termos "província" e "capital". Antes da era russificacional a paisagem cultural do saber não conhecia tal divisão devido a específica homogeneidade européia na Ukraina - tanto as maiores quanto as menores cidades criavam o fundamento econômico e cultural, substrato da vida regional, no qual os centros educacionais e fortes centros comerciais podiam não coincidir necessariamente com a capital administrativa e os domicílios dos poderosos. A reformatação da era imperial trouxe ao país uma nova e coordenada rede, na qual esta homogeneidade rapidamente desapareceu junto com os velhos centros culturais e econômicos (é pouco provável que alguém, hoje, reconheça em Kamianets-Podilskyi, Bila Tserkva, Koropa, ou Novhorod-Siverskyi antigas cidades "estrela"). Os centros de peso foram deslocados, em grande parte para as artificialmente destinadas pelo governo novas células, as quais não foram capazes de autodesenvolvimento, e o esclarecimento das possibilidades e perspectivas passou a ser determinado não com naturais habilidades da região ou localidade mas próprios do império divisões hierárquicas entre o "centro" e "cercanias". Então o provincianismo não era mais de categoria geográfica, antes essência, qualidade.

Imunidade contra russificação

Os modelos de russificação eram e são muito necessários para manter a integridade e a influência do império. Mas, são eles assim tão poderosos e efetivos? O calcanhar de Aquiles da russificação é total indiferença a qualquer identidade em cuja base foram inteiramente colocados os valores dos cidadãos (a primazia dos direitos individuais, o individualismo, a tolerância, o construtivismo social, etc.) Porque até mesmo os cidadãos russificados nem sempre se dão bem com os valores e as condições do "mundo russo", mesmo que sejam russos étnicos. O modelo russificado do sistema social e cultural propõe um país não efetivo, instabilidade material e passividadde social privando a possibilidade da escolha. Esse modelo antinatural do progresso é um obstáculo para um genuíno desenvolvimento não só de Lviv, Kolomeia, ou Lutsk (cidades da Ukraina ocidental que sofreram menos anos de domínio e russificação - O.K.), mas igualmente a Luhansk, Djankoy ou Kherson (cidades na região da Ukraina que sofreram mais anos de domínio e russificação - O.K.).

Russificação e sua nova forma nunca terão chance lá, onde as pessoas preferem ser cidadãos e não vassalos!

Tradução: Oksana Kowaltschuk
Foto formatação: AOliynik


[1] Filósofo, pedagogo, escritor, professor e tradutor ukrainiano - O.K.
[2] Professor lingüista, prosador ukrainiano – OK.

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